quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Sobre duas torcidas no estádio Independência



        Primeiramente devo ressaltar que se trata de minha opinião. À medida que os anos passam, a experiência pessoal fica mais rica, pois temos a possibilidade de relembrarmos eventos já ocorridos e associá-los aos que ocorrem no presente. O pensador italiano Nicolò Machiavelle pregava que a história é cíclica e se repete. O conhecimento do passado nos permite planejar e tomar decisões para o futuro. Maquiavel (em português) é muito mal visto pela maioria das pessoas que associam o seu nome às práticas mais espúrias e sorrateiras praticadas pelos políticos e pelas pessoas em comum. Uma injustiça... Quem lê seus escritos e de outros contemporâneos pode entender seus ensinamentos e ver que ele, na verdade, foi um dos primeiros analistas de cenários políticos.
        Tenho divulgado que sou a favor da presença das duas torcidas no estádio Independência, como fui favorável na Arena do Jacaré. Recebo as mais diversas críticas, sempre embasadas em problemas de segurança e da crescente violência das torcidas. Parece que ir ao estádio está virando algo como teria sido ser voluntário para a FEB na Segunda Grande Guerra nos idos de 1940.
Devo usar de minha memória, que remonta aos anos da inauguração do Mineirão, que ir a um jogo Cruzeiro x Atlético sempre foi um passeio arriscado. Posso passar horas a fio entediando ao leitor deste texto enumerando as brigas, confusões e rusgas que as torcidas sempre travaram no antigo Independência ou mesmo no Mineirão.
Lembro-me da vez que o Cruzeiro venceu o primeiro clássico logo após a decisão do campeonato brasileiro de 1977 onde o Atlético perdeu o título invicto e na decisão de pênatis. Naquele clássico, confeccionei uma bandeira enorme do São Paulo e levei-a para o Mineirão. Após a nossa vitória, enquanto me dirigia ao estacionamento, juntamente com meu pai e irmãos, fomos cercados por uma horda de nervosos atleticanos que quiseram tomar a bandeira para rasgá-la, coisa que não permitimos. Não fosse a diligente presença da tropa de cavalaria, o pau teria quebrado e não sei se eu estaria aqui escrevendo este texto. Históricas também eram as perseguições ao carismático Aldair Pinto, que se intitulava como “Chefe da Torcida do Cruzeiro”, pela massa atleticana. Volta e meia tinha que correr muito para se livrar de uma boa sova. Quantas vezes tive que sair de Nova Lima atravessando o ribeirão que ficava ao lado do Alçapão do Bonfim? Recentemente, em conversa com Marco Antônio Garcia, camisa nove do time campeão brasileiro de 1966, foi-me revelado que, após os jogos em Sabará contra o Siderúrgica, em caso de vitória do Cruzeiro, a ponte de acesso ao estádio era bloqueada pelos torcedores do Siderúrgica e, a única alternativa de se sair do Estádio da Praia do Ó era atravessar o rio Sabará com água até a altura do peito.
Tempos românticos, dirão alguns. Os tempos são outros, dirão mais alguns. Não sei se quem tinha que atravessar o ribeirão dos Cristais ou o rio Sabará com água à altura do peito achava que a violência de tal ato seria menos que hoje em dia.
A verdade é que, se hoje há o perigo de enfrentamento de torcidas organizadas, a solução é a de se controlar tais torcidas e excluir do estádio os vândalos que extrapolam em seus comportamentos. Difícil? Com certeza! Impossível? De jeito nenhum.
Quando se há boa vontade e interesse por parte das autoridades, tudo acontece. Em 1992 houve a reunião da ONU no Rio de Janeiro onde assuntos ligados ao meio ambiente foram tratados pelos principais líderes mundiais presentes na Cidade Maravilhosa. Exército na rua, Marinha patrulhando as águas da baía da Guanabara, Força Aérea vigiando os morros com constantes vôos, polícia controlando trânsito e duas semanas de muita paz para os cariocas até então envolvidos pelos combates travados entre traficantes... Quando se quer e se tem vontade política... Tudo é possível.
Interessante é que países com problemas semelhantes resolveram suas questões e hoje a violência diminuiu bastante. Talvez o mais emblemático caso seja o da Inglaterra que possuía os violentos “hooligans” que atazanavam a vida dos torcedores insulares. Aconteceram episódios terríveis, como o ocorrido na Bélgica no estádio de Heysel em 1985 na final da Taça dos Campeões da Europa entre Juventus e Liverpool, onde morreram trinta e oito pessoas. A suspensão dos clubes de campeonatos europeus, identificação dos líderes da baderna e a prisão de baderneiros resultaram em um futebol com estádios menos violentos. Em dias de jogos os baderneiros contumazes devem se apresentar a uma delegacia e lá permanecer até o final dos jogos de seus times.
Aqui no Brasil há a tendência de se resolverem problemas com soluções esquisitas. Se a bebida provoca brigas entre torcedores bêbados, ao invés de retirarmos dos estádios os infratores, proibimos todos os torcedores de beberem cerveja. É lógico que dá certo! Sai a bebida acabam-se as brigas. Mas como fica a situação de quem sempre bebeu sua cerveja no estádio e nunca brigou? Não seria mais certo excluir quem causa o problema? No entorno do Independência não se pode transitar com veículos, pois traria problemas com estacionamentos indevidos atrapalhando o fluxo de pedestres. Pergunto: e quem tem problemas de mobilidade ou está com tais problemas eventualmente? Não pode ser conduzido de carro até a porta do estádio, tem que estacionar nas imediações da Silviano Brandão e “escalar” as ladeiras que dão acesso ao estádio. Pois é. Por causa de gente que não respeita as leis de trânsito, quem precisa do automóvel não pode usá-lo no estádio do Horto. Não seria mais fácil e lucrativo para a prefeitura recolher os carros que estivessem em desacordo com a lei? Não: é mais fácil proibir todo o mundo de trafegar. Daqui uns dias, cancelarão as viagens do metrô (?) em dias de jogos por motivo de brigas de torcidas em estações ou nas composições.
A gloriosa Polícia Militar de Minas Gerais possui um serviço de inteligência cuja função é antever e pesquisar possíveis problemas envolvendo a segurança pública. Será tão difícil identificar os líderes e os mais abusados?
O que penso é que Minas Gerais poderia dar um exemplo ao país em termos de término da violência nos estádios de futebol. Assim como o nosso governo estadual está brilhando com o cumprimento impecável nos prazos da reforma do Mineirão, poderia dar o exemplo em manutenção da ordem dentro e no entorno dos estádios. Seria muito bom mostrar para o Brasil que tal problema foi contornado em nosso estado. A ação das autoridades de forma decidida e peremptória pode fazer com que a ida ao estádio retorne a ser um programa familiar para todas as classes.
Tiradentes, o patrono da Polícia Militar de Minas Gerais, era famoso por limpar a Estrada Real de assaltantes que infestavam o caminho novo para o Rio de Janeiro, na região da serra da Mantiqueira, investigando os locais onde os bandidos agiam e aplicando os rigores da lei quando os apanhava. Gostaria muito que assim agisse a nossa corporação que tanto orgulho nos proporciona.
Terminando, lembro que à época da Alemanha nazista havia a crença que, uma mentira inúmeras vezes repetida, se tornaria rapidamente uma verdade. Temo que a mentira de que a divisão do estádio Independência para as duas maiores torcidas é impossível esteja se tornando uma verdade. Vejo isso nos comentários de vários formadores de opinião que discorrem sobre o assunto pela imprensa, blogs e redes sociais. Uma pena.

sábado, 18 de agosto de 2012

Encontrando Osvaldo Faria


                Há certos dias que são memoráveis e nunca saem de nossa memória. São momentos mágicos e que acontecem sem o planejamento e sem serem esperados. Simplesmente acontecem.
                Sempre fui um apaixonado por futebol e desde pequenino frequento o Mineirão. Primeiramente por influência de meu pai e depois de adolescente por conta própria. Acho que podem ser contadas nos dedos de uma mão as vezes que perdi um jogo do Cruzeiro contra o Atlético Mineiro. O clássico tem uma magia própria e, particularmente é o meu jogo favorito. Gosto muito de assisti-lo.
               Sempre tive um ritual próprio na ida ao Mineirão. Quando era garoto, antes de sair com meu pai para o estádio, deveria ir ao banheiro e tomar um copo d’água. Era sagrado: se não fizesse isso o Cruzeiro teria um jogo duro pela frente. Mais recentemente o ritual se tornou mais social mesmo, fazendo parte dele o tradicional tropeirão, a cerveja e a resenha com os colegas de Conselho Deliberativo. Um detalhe que não muda desde pequenino é a presença do radinho de pilha devidamente sintonizado na Rádio Itatiaia. Ainda hoje, quando escuto a abertura da jornada esportiva, com o som da música que fez parte da trilha sonora do filme “A volta ao mundo em 80 dias” (aquela que tocou na cena quando Cantinflas se apresentou como toureiro), de 1956 com o inesquecível David Niven, me emociono. A voz de Osvaldo Faria dizendo “Nós abrimos para o rádio de Minas os caminhos de todos os continentes”, ainda ecoa em minha memória e no meu coração!
                Nos idos do início da década de 1990, os locutores e repórteres da Itatiaia não eram tão assíduos em programas de televisão. Não apareciam e faziam questão de manterem a mística sobre suas figuras em relação às suas vozes. Eu os ouvia e nem imaginava como seriam pessoalmente. A única exceção era Carlos César Franco Gomes, o “Pinguim”, o “Garotinho de Aimorés”, que pelo motivo da família de minha mãe ser daquela progressista cidade, havia laços mais que suficientes para que nos conhecêssemos. As vozes de Osvaldo Faria, Alberto Rodrigues, Willie Gonzer, Roberto Abras, Mauro Neto e Milton Naves, entre outros, eram muito conhecidas em minha cabeça. Como seriam ao vivo, eu nem imaginava e tinha muita curiosidade em conhecê-los.
                No início de 1993 eu trabalhava como Gerente Adjunto na agência Padre Eustáquio e tinha um cliente que trabalhava na Rádio Itatiaia. Ele era um operador da rádio e tinha muito orgulho de dizer que sua função era a de “apertar as carrapetas” para as transmissões do Primeiro Time do Rádio. Não me recordo seu nome, mas era uma pessoa muito simpática e gostava de contar casos da rádio. Lembro-me que um dia me contou que Osvaldo Faria e sua equipe transmitiram um jogo falando de cima do muro de um estádio no interior de Minas. Tão entusiasmado fiquei em conhecer um componente do time da “Maior de Minas” que, certa vez, montei alguns kits com brindes da Caixa e mandei-os aos meus ídolos através de meu importante cliente. Para minha surpresa, no dia seguinte, ao ouvir a Turma do Bate Bola, no noticiário do Atlético Mineiro, Osvaldo Faria disse a Roberto Abras: Roberto... estive hoje na Caixa Econômica Federal do Padre Eustáquio, e o gerente de lá, o meu amigo Anísio Ciscotto, atleticano fanático, me perguntou sobre esse garoto Reinaldo que subiu dos juniores...  Era a maneira como Osvaldo Faria agradecia as deferências que recebia: citava o nome de quem o homenageava. Com certeza era uma belíssima retribuição, pois todos seus amigos comentavam que tinham ouvido seu nome e ficavam impressionados de você ser amigo do Osvaldo Faria. Só que no meu caso virou gozação, pois ele disse que eu era atleticano.
                No dia seguinte meu cliente apareceu na Caixa e perguntou se tinha ouvido a saudação do então "Chefe" e se tinha gostado. Agradeci, mas lembrei a ele que era Cruzeirense e candidato na chapa de César Masci a Conselheiro do Cruzeiro. Tinha pegado muito mal nas hostes barropretanas ter sido chamado de sofredor. Meu cliente prometeu remediar e, para minha alegria, retornou com um convite especial e fantástico para mim: Osvaldo Faria me convidou para assistir o próximo jogo do Cruzeiro ao lado dele na cabine da Itatiaia no Mineirão! Aquilo era um verdadeiro sonho que se realizava! Eu iria assistir uma partida do Cruzeiro ao lado dos meus ídolos do rádio e conhecê-los ao vivo! Aquela cabine que era frequentada por políticos, governadores, prefeitos e tantas pessoas ilustres receberia a minha visita! Quase tive um troço!
                Para minha felicidade, o jogo escolhido, foi justamente um Cruzeiro x Atlético Mineiro, que decidia, pasmem: quem seria o vice-campeão mineiro! O América havia se sagrado campeão e os dois rivais decidiriam quem seria o vice campeão. Seria uma bela oportunidade de tirar minhas dúvidas sobre quem era Cruzeirense ou sofredor, pois veria a reação de cada um, ao vivo.
                Na noite do dia 28 de julho, uma quarta-feira, compareci no Hall Principal do Mineirão e um funcionário da rádio me aguardava. Muito solícito, me conduziu à cabine da rádio, onde meu cliente me aguardava, assentado ao lado direito do recinto operando alguns aparelhos. Logo após me receber, me apresentou aos que estavam presentes, que eram: Osvaldo Faria, Willie Gonzer, Alberto Rodrigues e a ilustre pessoa do ex-prefeito Sérgio Ferrara, que há algum tempo, havia sido da equipe da rádio. Aliás, naquele dia, ele deu uma bela notícia para a população de Belo Horizonte. Disse que o governo federal havia aprovado uma verba para a ligação da Avenida Pedro II com o bairro Alípio de Melo, passando pela Vila São José...
                Naquela noite tive a oportunidade de ouvir, em viva voz, o célebre “gol, gol, gol” de Alberto Rodrigues pois o Cruzeiro venceu a partida pelo placar de 2 x 1. Fiquei sabendo que Willie Gonzer era gremista e que Osvaldo Faria não se alterava quando Cruzeiro ou Atlético faziam seus gols. O mais interessante foi comparar a minha imaginação com a realidade da fisionomia das pessoas. Como eram diferentes do que imaginava! Realmente é uma mágica que só o rádio proporciona, essa coisa de imaginarmos a pessoa através de suas vozes. Quando vi Roberto Abras, magrinho, pensei que cada setorista correspondia ao seu time: Pinguim gordinho, como as glórias do Cruzeiro e Roberto magrinho, magrinho, como os títulos de seu time. Naquela noite tive o prazer de ver o menino Ronaldo em campo. Jogou muito. Foi uma noite fria no campo, nas arquibancadas (somente onze mil pessoas assistiram) e também na temperatura ambiente. Só foi muito quente na minha emoção.

                Até hoje não sei se Osvaldo Faria torcia para Cruzeiro ou Atlético. Como Cruzeirense, acho que ele torcia pelo Atlético Mineiro, pois seu filho Bob sempre foi, e é, atleticano fanático.  Mas era uma pessoa admirável e foi um dos esteios da Rádio de Minas. Realmente ele abriu os caminhos de todos os continentes para o rádio de Minas. Que Deus o tenha em excelente lugar!