domingo, 6 de abril de 2014

No meu tempo era assim...

         

        No meu tempo era assim: muitos campinhos de futebol espalhados pelos bairros de Belo Horizonte e uma profusão de times de bairro que reuniam os garotos da região. Havia um campeonato  disputado no antigo campo do América Mineiro, na Alameda, que se chamava "Dente de Leite" e reunia os times de bairro com os garotos de tenra idade. Havia até transmissão de televisão de alguns jogos e ficávamos loucos com a oportunidade de jogarmos em uma partida televisionada. Havia muita vontade de se jogar nos times da base dos grandes da capital, mas os nossos timinhos satisfaziam nossa necessidade de gastar calorias e frustração de não conseguirmos vestir a camisa de nosso time favorito, pois a oferta de futuros craques era tão grande, que seria muito difícil alcançar tal glória. Somente os iluminados e fora de série conseguiam ir ao Barro Preto e fazer parte do time infantil do Cruzeiro.

         No meu tempo, sabíamos de cor e salteado os nomes de todos os jogadores do elenco do Cruzeiro. Era um time perene e que, por necessidades pontuais, modificava um dois jogadores por ano. Meu time de jogo de botão tinha as caras dos craques do Cruzeiro e duravam muito tempo, fazendo com que eu trocasse várias vezes a foto do mesmo jogador por outras mais recentes. Tostão, Raul, Dirceu Lopes, Piazza, Natal e outros duravam uma eternidade nas lentes de óculos que eu usava como botões para meu time.
          O programa de domingo era ir à missa, passear no Parque Municipal e depois ir ao Mineirão, mas não sem antes almoçar um frango, que meu pai matava na véspera e todo mundo chorava de pena (o que irritava meu pai que dizia que, se chorasse, o frango demorava a morrer...), e uma bela macarronada com suco de uva. Íamos todos da família e sempre com um pouco de receio de minha mãe, devido às brigas entre torcidas. Àquela época já aconteciam os estranhamentos entre rivais. Meu pai sempre dizia que a polícia existia para prender bandidos e proteger a sociedade, que as pessoas de bem não podiam ficar em casa por causa de baderneiros. Sábias palavras que deveriam valer até hoje...
          Após os jogos, que nunca eram transmitidos ao vivo para Belo Horizonte, voltávamos correndo para casa e ainda chegávamos a tempo de assistirmos o videotape na finada TV Itacolomi, o que fazia com que as discussões continuassem até às 10:00 da noite que era a hora de dormir. O interessante é que os públicos daquela época, eram muito, mas muito mesmo superiores aos dos dos dias de hoje. Cruzeiro x Atlético cujo público fosse menos de noventa mil presentes era considerado um fracasso de público e renda. E após os clássicos, a Polícia Militar providenciava a segunda parte do famos e extinto "Plano A", que consistia que a avenida Antonio Carlos, antes do jogo, tivesse suas três pistas liberadas no sentido centro-Mineirão e, após o término da partida, invertesse as mãos com três pistas liberadas no sentido Mineirão-centro. Era uma beleza. Chegávamos cedo em casa. Como a Catalão ainda era precária, voltavam as duas torcidas pela mesma avenida!
         As torcidas eram animadas por "Charangas". Charanga era o nome dado às bandinhas que animavam os gritos das torcidas. A do Atlético era a Charanga do Júlio. Júlio era um dono de supermercado, chamado Júlio o mais amigo, que possuía uma bandinha que animava os fregueses na porta de seu estabelecimento, que, se não me engano, ficava na Rua Guarani. Nos dias de jogos do Atlético sua bandinha se tornava a Charanga do Júlio. Tinha instrumentos de percussão e de sopro. Tocava durante todo o jogo.
          Já a do Cruzeiro era comandada por Aldair Pinto. Não possuía metais, somente a bateria. Como era animada. Havia um toque que fazia a torcida do Cruzeiro assobiar. Era muito legal, pois cinquenta mil pessoas assobiavam ao mesmo tempo. Aldair Pinto de chefe de charanga, já era apresentador de programas de auditório e radialista, virou político se elegendo vereador.

          Em uma determinada época, a torcida do Cruzeiro colocava pó de talco nas bandeiras e quando o Time entrava em campo nós levantávamos as bandeiras e fazíamos um efeito visual maravilhoso. Junto ao pó de talco colocávamos papel picado também. 
          Conhecer os jogadores e radialistas era um sonho acalentado por todos os meninos. Lembro-me que era criança e, para ir ao dentista, minha mãe me prometia levar à Galeria do Ouvidor na loja de discos do Raul. Eu era pequeno e o Raul um gigante. Eu, olhando para baixo, levantava o braço com um papel e caneta para receber um autógrafo. Eu não tinha coragem de encarar meu ídolo. Hoje em dia encontro demais com o Raul e a idolatria continua, agora tornada amizade.
           Bons tempos que não diminuem em nada os novos tempos. Como é bom ir ao Mineirão!

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